quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Os 60 anos de Mao e seus camaradas

Muita coisa mudou na China desde que Mao Tsé-tung e seus camaradas venceram a guerra civil contra os nacionalistas e anunciaram a fundação da República Popular da China para uma multidão reunida na Praça Tiananmen. A começar do próprio significado da palavra “camarada”, usada hoje como uma gíria para se referir aos gays.

Na área econômica, as transformações foram tantas que é difícil olhar para os 60 anos como um período único. É mais adequado dividi-los em duas metades de 30 anos, que em vários aspectos são totalmente antagônicas.

A primeira delas foi dominada pela figura de Mao Tsé-tung (1893-1976) e sua radical utopia igualitarista, que levou o país a experimentos como o Grande Salto Adiante (1958-1961) e a Revolução Cultural (1966-1976), durante os quais milhões de chineses morreram.

Os 30 anos seguintes tiveram a marca do pragmatismo de Deng Xiaoping (1904-1997), traduzido em sua frase “não importa se o gato é branco ou preto, contanto que pegue o rato”. Perseguido durante a Revolução Cultural, Deng conseguiu isolar o sucessor indicado por Mao, Hua Guofeng, e ser aclamado como novo líder supremo da China em 1978.

A partir daí, deu início ao movimento de abertura do país ao exterior e sua gradual incorporação à economia mundial e à globalização. A China de 1978 ainda tinha as marcas da violência da Revolução Cultural, quando universidades foram fechadas e milhões de jovens enviados à zona rural para serem “reeducados” pelos camponeses.

As mudanças adotadas desde então implicaram a reversão de muitas das medidas do período maoísta. A coletivização da terra foi abandonada e os camponeses ganharam o direito de cultivar individualmente seus lotes e vender a produção a preços de mercado. No ano passado, Pequim se distanciou ainda mais do ideal maoísta ao anunciar que os camponeses poderão arrendar seus lotes a terceiros, o que abriu caminho para o surgimento de grandes fazendas, em uma espécie de reforma agrária ao contrário _exatamete o oposto do realizado há 60 anos.

O confisco de terras dos antigos proprietários e sua distribuição aos trabalhadores rurais foi uma das principais medidas do Partido Comunista depois de chegar ao poder. A reforma agrária já havia sido adotada nas regiões do país que estavam sob controle dos revolucionários antes de 1949 e foi um dos fatores decisivos para a popularidade de Mao e seus seguidores.

Os camponeses representavam 88% da população da China naquela época e formavam a principal base de apoio dos comunistas chineses, o que contrariava a tese marxista de que a revolução seria realizada pelos operários urbanos.

O país viveu um processo vertiginoso de urbanização desde o início das reformas econômicas. Em 1980, os moradores da zona rural ainda representavam 76% da população do país. Mesmo com a mudança de milhões de pessoas para as cidades no embalo do crescimento econômico, a China comunista chega aos 60 anos como um país majoritariamente agrário, com 55% de seus habitantes na zona rural.

A propriedade privada que havia sido abolida retornou com as reformas econômicas e hoje é protegida pela Constituição. Acima de tudo, os chineses seguiram à risca o conselho de Deng Xiaoping, de que era necessário deixar alguns ficarem ricos antes dos demais _o país tem hoje o maior número de milionários do mundo.

A igualdade desejada por Mao foi substituída por um dos mais rápidos índices de crescimento de desigualdade, que divide ricos e pobres, moradores da cidade e do campo e das regiões leste e oeste do país. Mas o crescimento trouxe aumento da renda de todos os chineses e permitiu que 500 milhões de pessoas deixassem de viver abaixo da linha da pobreza nos últimos 30 anos, segundo estimativa do Banco Mundial.

O que não mudou nos últimos 60 anos foi a supremacia dos comunistas e o sistema de partido único. E essa é uma reforma que não está nos planos de Pequim.

Fonte: Estadão.com.br - Blog:Cláudia Trevisan

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