domingo, 25 de julho de 2010

Figuras de estilo - Sérgio Nogueira

Fonte:g1.com.br - Dicas de Português - Sérgio Nogueira

Texto 1

Era só uma metáfora

Caro leitor, você sabe o que é linguagem conotativa?
Se não sabe, eu explico: “linguagem conotativa é o contrário da denotativa”. Pronto, você nunca viu uma explicação tão clara! Só não entendeu quem não quis. É, você tem razão, foi uma explicação ridícula. É do tipo “definição circular”: ficamos dando voltas e não chegamos a lugar algum.
Bem, vamos falar sério. Linguagem conotativa é o uso da linguagem figurada, é o uso das palavras fora do seu sentido real. É aqui que encontramos as figuras de linguagem.
A metáfora, por exemplo, é aquela figura em que o seu criador parte de uma comparação. Quando alguém diz que “a menina é uma flor”, temos uma metáfora: para o autor a tal menina é tão linda, tão delicada quanto uma flor. O autor faz uma comparação da beleza da menina com a da flor.
É interessante observarmos o seguinte: se usarmos os elementos de comparação ( = assim como, tal qual, tanto quanto) não teremos a metáfora, e sim a própria comparação:
“Ela é tão bonita quanto uma flor.” ( = comparação);
“Ela é uma flor.” ( = metáfora).
Isso significa que, para entender uma metáfora, é preciso perceber a comparação subentendida.
Quando José de Alencar diz que Iracema é “a virgem dos lábios de mel”, significa que “os lábios de Iracema são tão doces quanto o mel”.
Para João Cabral de Melo Neto, a serra do sertão é “magra e ossuda”, ou seja, é tão seca ( = sem vegetação) que parece um ser muito magro, tão magro e ossudo como o sertanejo em geral.
Assim sendo, chamar alguém de burro é só uma metáfora. Significa que estamos comparando a inteligência do ofendido com a de um burro, que dizem ser mais inteligente que o cavalo. Mas isso é outra história.

Texto 2

A borracheiro e a metonímia

Metonímia é uma palavra de origem grega, formada por “meta” (=mudança) + “onímia” (=nome). Ao pé da letra, metonímia é o uso de um nome por outro.
Metonímia é uma figura de retórica que consiste no emprego de uma palavra fora do seu sentido básico (do seu contexto semântico normal), por efeito de contiguidade, de associação de idéias.
É diferente da metáfora, que consiste no emprego de uma palavra fora do seu sentido básico por efeito de uma semelhança. No caso da metáfora, trata-se de uma relação comparativa; no caso da metonímia, é uma relação objetiva, de base contextual.
Vejamos alguns exemplos de metonímia:
1) relação metonímica de tipo qualitativo:
a) matéria por objeto: “O ouro (=dinheiro) só lhe trouxe
infelicidade”; “Os bronzes (=sinos) repicavam no alto do campanário”;
b) autor por obra: “Seu maior sonho era comprar um
Picasso” (=quadro de Picasso); “Adorava ler Jorge Amado” (=livros de Jorge Amado);
c) proprietário pela propriedade: “Ontem fomos ao Álvaro”
(=bar do Álvaro);
d) continente por conteúdo: “Adora macarrão, por isso
comeu três pratos” (=o macarrão de três pratos);
e) consequência pela causa (também chamada Metalepse):
“Ele não respeitou seus cabelos brancos” (=velhice); “Venceu graças ao suor (=trabalho, esforço) do seu rosto”;
f) cor pelo objeto: “O vermelho (=sangue) lhe corria pelas
veias”; “As andorinhas voavam pelo azul (=céu) do Rio de Janeiro”;
g) instrumento pelo agente: “Ayrton Senna foi um grande
volante” (=piloto de carros de corrida);
h) abstrato pelo concreto: “O crime (=criminosos) habita
aquela casa”; “Esperava pelo voto das lideranças” (=líderes);

2) relação metonímica do tipo quantitativo (também chamada de
Sinédoque):
a) parte pelo todo: “As asas (=pássaros) cortavam os céus
de Copacabana”; “Precisa de mais braços (=trabalhadores) para desenvolver a sua lavoura”;
b) singular pelo plural: “O inimigo (=inimigos) estava em
toda parte”; “Precisamos pensar mais no idoso” (=pessoas idosas);
c) gênero pela espécie (ou vice-versa): “Seu maior sonho
era pertencer à sociedade (=alta sociedade) paulistana”; “O homem (=humanidade) deve respeitar mais a natureza”.

Leitor desta coluna quer saber se “ir ao borracheiro” não está errado, pois verdadeiramente “vamos à borracharia”.
Não é uma questão de certo ou errado. Borracharia é o estabelecimento onde se vendem ou se consertam pneumáticos e câmaras de ar. Borracheiro é quem trabalha numa borracharia, mas também pode ser usado como sinônimo de borracharia.
Trata-se de uma relação metonímica perfeitamente aceitável e registrada em nossos principais dicionários.
É um caso semelhante ao de “ir ao dentista” (=clínica dentária) e “ir ao médico” (=consultório médico).

Texto 3

O exagero das hipérboles

A hipérbole é uma “metáfora exagerada”.
Existem exemplos famosos como “chorou rios de lágrimas” e outras bem populares: “já te disse mil vezes”; “explodiu de tanto comer”; “fez tudo num piscar de olhos”…
Leitor atento quer saber se eu considero claras as frases: “o total de manifestantes era equivalente ao de dois Maracanãs lotados” e “com esse dinheiro daria para comprar cinco apartamentos na Vieira Souto”.
Concordo com o nosso leitor. Não são comparações claras. No caso do Maracanã, nunca sei se o gramado está incluído como acontece em shows ou eventos especiais. Pior é o caso dos apartamentos da Vieira Souto. Juro que não sei exatamente o seu valor. É só consultar a seção de classificados dos nossos jornais para constatar que a variedade dos preços é grande.
O que fica é uma ideia imprecisa. Temos apenas uma certeza: é muita gente e muito dinheiro.
Prefiro outros tipos de comparação: “com esse dinheiro daria para construir dois hospitais”; “com esse dinheiro daria para pagar o 13º dos servidores”… Dessa forma, parece que o leitor teria uma maior compreensão do fato, não quanto aos valores, mas certamente teria uma ideia melhor da sua perda.
Em todo caso, é sempre bom evitarmos comparações exageradas e de difícil compreensão.
Vamos, então, fazer um teste final: um escritório em que caberiam vinte milhões de caixinhas de fósforo é grande ou pequeno?

Texto 4

A catacrese e a catapulta

O elemento de origem grega “cata” significa “para baixo”. Deve ser por isso que você nunca viu uma catarata jogando água “para cima”. Catarata é uma queda d’água.
Quem já assistiu a filmes que retratam guerras medievais deve ter visto uma catapulta em ação. Era uma arma de combate usada como alavanca para jogar bolas de fogo ou pedras por cima dos muros dos castelos.
Outro dia, lendo um artigo sobre música popular, encontrei esta pérola: “Foi esta música que catapultou a banda para a fila do gargarejo da MPB”. Fico imaginando qual tenha sido a interpretação do leitor que não tem a mínima ideia do que seja uma catapulta. Para quem ainda não entendeu, o crítico queria dizer que a tal música fez tanto sucesso que levou repentinamente a tal banda para os primeiros lugares das paradas de sucesso da nossa música popular.
E o que a catacrese tem a ver com tudo isso?
Catacrese é o nome que se dá para aquela metáfora que deixou de ser metáfora, que perdeu seu sentido figurado. É a “queda” da metáfora. Catacrese é a “metáfora fossilizada”.
Para ficar mais claro, vejamos alguns exemplos.
O alho não é dente nem nunca teve um dentinho sequer, mas você sabe qual é o nome do “dente de alho”? É dente de alho mesmo. Isso não significa que um conjunto de dentes de alho forme uma “dentadura”.
Você já viu estrelas no “céu da boca”? E umbigo na “barriga da perna”? E mamilos no “peito do pé”?
É interessante observar que a criação é metafórica, pois é feita a partir de uma comparação por semelhança.
A panturrilha é também chamada de “barriga da perna” por sua semelhança com uma barriga. Tanto é verdade que outros acham a panturrilha parecida com uma batata. Daí a “batata da perna”.
Para terminar, uma lista de catacreses: olho da agulha, cabeça do alfinete, perna da cadeira ou da mesa, cabelo do milho, boca do estômago, braço do sofá…

Resumindo:

Hipérbole – consiste no exagero de uma ideia e assim conseguir maior expressividade para enfatizar determinada situação: “Já te disse mil vezes”; “Fez tudo num piscar de olhos”; “Vai explodir de tanto comer”; “Rios te correrão dos olhos se chorares”; “Roma inteira nadava no sangue de seus filhos”; “Teus ombros suportam o mundo” (Carlos Drummond de Andrade);

Catacrese – é um tipo de metáfora ocasionada por:
1) falta de uma palavra específica: “pé da mesa”; “boca do
estômago”; “céu da boca”; “orelha do livro”; “dente de alho”; “barriga ou batata da perna”; “olho da agulha”; “De uma cruz ao longe os braços, vejo abrirem-se” (Castro Alves);
2) esquecimento etimológico (=queda do sentido original da
palavra): salário (de sal), secretária (de secreto), sabatinar (de sábado), tratante (de tratar), famigerado (de fama), marginal (de margem), rival (de rio)…


Fonte: g1.com.br - Dicas de Português - Sérgio Nogueira

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